domingo, 29 de abril de 2012

INSENSATEZ

Lá vai um poesia que escrevi há alguns anos, mas que pode servir pra ajudar a entender o que não se explica...

Ela vem devagar, quase sem querer. 
Sem sentir, sem sofrer, quase sem falar, vem calada.
Tem a força do que é, sem precisar ser. 
É um nada, um vazio incompleto; é um tudo, imerso e repleto.
Calor dos homens, amor sem nomes... é paixão!!!


Tudo o que compreendemos, ou que pensamos que assim seja, não refletem a sua real essência. 
Aquele suspiro, desejo, 
O gosto de um beijo, 
O cheiro, malícia no ar, 
O tremor de um toque, 
O calor de um olhar, 
Palavras sem pudor, que não exigem retoque, que tem uma mira certeira, e causam furor.
Frases desconexas que erram, por medo de não conseguir acertar.
Ideias que levam ao êxtase, catarse que surge quando menos se podia esperar.
Tudo isso, e só isso, revelam a mais enlouquecida certeza: é paixão!!!

quarta-feira, 14 de março de 2012

AS CARTOMANTES (Parte 1)


O casamento de Raul e Ana estava com os dias contados. Havia adquirido o hábido de ficar até tarde no trabalho só para não ter que chegar cedo em casa e discutir com a mulher, ouvir ela dizendo que não aguentava mais, que ele precisava mudar, que tinha que achar um emprego melhor, que deviam procurar um terapeuta, que isso e aquilo. Na verdade, ele não aguentava era a insatisfação constante. Até já estava se convencendo de que o casamento não tinha mais jeito, e de que o melhor era por um ponto final. Só não tinha certeza disso, porque ainda gostava da vida que levava ao lado dela, do carinho que sentia por Ana.
Numa certa tarde, ouviu Nara, uma colega do escritório, comentando com Beto, seu amigo e também colega, que tinha conhecido uma cartomante sensacional. Fez um relato minucioso das previsões e apontou diversas situações em que a vidente havia acertado o seu passado. E ouviu ela concluir a conversa com um tom emocionado:
- Sinto que sou outra pessoa! Começo a ver uma luz no fim do túnel...
Beto virou-se para Raul com um certo olhar de deboche e, em resposta, limitou-se a resmungar um "que bom!", e voltou a trabalhar. Durante toda a tarde, Raul não parava de pensar no que havia ouvido, e, ao final do expediente, quando Nara foi embora, chamou o colega:
- Beto, o que você acha de marcar uma hora com ela.
- Com ela quem?
- A cartomante.
- Você tá louco? Essas pessoas são estelionatárias e não dizem nada que preste. Se acertam alguma coisa, saem no lucro. No mais, só servem pra enganar trouxas!
- Mas é que...
- Não tem essa história de mas... não vou e está encerrado!
- Cara, sério, não custa matar a curiosidade. Eu pago pra você também!
Depois de uns minutos de insistência, Beto concordou, afinal de contas não ia sair do bolso dele o valor daquilo que ele chamava de "perda de tempo". Ligou para Nara, anotou o telefone, e em poucos minutos já haviam agendado um horário com a cartomante para a semana seguinte.
Chegado o dia, antes de ir para o trabalho, foram à casa da vidente. Ela mesma abriu a porta, e indicou um sofá na sala para que um deles sentasse, enquanto o outro seria atendido. Raul foi o primeiro.
Sentado numa cadeira na mesa da cozinha, ficou um pouco decepcionado, pois o lugar não possuía a aura de mistério que imaginava. Os únicos detalhes que denunciavam o local era um incenso que fora acendido e posicionado sobre a mesa e um baralho de cartas de tarô muito velho, o qual Leonora embaralhara e pedira para ele cortar.
Depois de algumas informações, as quais ele considerou inúteis, ela disse:
- Vamos falar de aspectos da vida pessoal. Quanto ao seu relacionamento, presumo que não esteja bem.
Ele, um pouco desconfiado, perguntou:
- Você... você está vendo isso nas cartas?
- Na verdade, foi você quem me disse há uma semana atrás, por telefone.
- Ah, é verdade - respondeu, um pouco decepcionado.
- Pois bem, vamos lá... hummm... olhe essa carta! Ela diz que alguém aparecerá em sua vida muito em breve.
- Breve quando? Eu ainda vou estar casado?
- Muito em breve... antes que você possa esperar.
- Mas como, eu não quero trair minha mulher.
- Raul - disse Leonora, segurando as mãos dele, e olhando-o fixamente. - Você sente falta de algo, de uma emoção, de um beijo capaz de tirar o fôlego, de te levantar do chão, e é isso que está faltando em seu casamento. Empolgação, vida!!! Pois bem, essa pessoa que vejo é morena, olhos claros, e não é da Capital.
- Tudo bem, mas eu não conheço ninguém com essas características, não estou interessado em ninguém, eu amo minha mulher, e...
Nesse instante, o telefone tocou. Ela pediu licença e atendeu. Raul ficou ouvindo desinteressado a conversa de Leonora com uma pessoa que ao final do telefonema identificou-se como Ana, o mesmo nome de sua esposa. Ela insistia que precisava ser atendida, e a cartomante dizia que não tinha horário naquela manhã.
- Está bem, vou abrir uma exceção, Ana. Meio-dia então! - e desligou o telefone, pedindo desculpas a ele.
E continuou:
- Onde eu estava... ah, sim... então, você conhecerá alguém e essa pessoa irá mexer com sua vida!
Conversaram mais um pouco sobre isso, pagou a consulta, e dirigiu-se à sala. Lá chegando, o amigo viu no rosto de Raul a decepção. Pensou em dizer, "eu avisei", mas preferiu sorrir com um ar de deboche. Era a sua vez de ser atendido.
Raul, sozinho na sala, pegou uma revista e ficou aguardando. Minutos depois, a campanhia tocou. Ele aguardou uns instantes, e como ninguém atendeu, decidiu abrir a porta. Uma jovem alta e bonita entrou na sala, falando que era Ana, e que havia marcado uma consulta. Ele disse para ela esperar na sala, explicou também ser um cliente, e que Leonora estava atendendo. Sentaram-se um de frente para o outro, cada qual em um sofá. Volta e meia ele esticava os olhos e a observava, sem muito interesse. De repente, ela levantou-se, tirou os óculos escuros e a jaqueta, e ele ficou extasiado com o corpo de Ana, que vestia uma roupa de ginástica delineando cada parte do seu corpo. A cor de seus olhos era de um azul vivo e o cabelo escuro contrastava, de uma forma intensa, a energia juvenil daquela mulher. Não conseguindo se conter, conversou de forma animada com ela, falaram sobre música, viagens, e outros assuntos, o que fez com que a hora passasse rapidamente. Perto do meio-dia, Leonora entrou na sala com Beto, e todos se despediram. Na saída, Raul olhou para trás e percebeu que a jovem também o observava. Ficou envergonhado!
No caminho para o trabalho, conversaram sobre a cartomante, e Beto só reclamava. Dizia que tinha perdido uma hora de sua vida graças à insistência do amigo. Raul, a seu turno, confidenciou a ele o que Leonora havia dito sobre a morena de olhos claros que apareceria em sua vida.
- Beto, pode ser ela. Aquela moça que estava na sala comigo!!!
- Sim, agora você vai começar a achar que toda mulher que tiver olhos claros e cabelos escuros quer dar pra você! Por favor!!!
- Mas é que... ah, não sei, acho que você tem razão! É loucura da minha cabeça...
Foram almoçar num restaurante próximo ao escritório, e quando estavam pagando a conta, o celular de Raul tocou:
- Alô, Raul?
- Sim, quem fala?
- É a Ana, a gente se conheceu na cartomante.

CONTINUA...

sábado, 25 de fevereiro de 2012

AS CARTOMANTES (Parte 2)

Foram almoçar num restaurante próximo ao escritório, e quando estavam pagando a conta, o celular de Raul tocou:

- Alô, Raul?

- Sim, quem fala?

- É a Ana, a gente se conheceu na cartomante.

Sentiu um calor subindo até o rosto, e o coração pulsava sem parar. E disse:

- Como você... – engoliu a saliva, e prosseguiu: - Como você conseguiu meu telefone?

- Ai, desculpa... primeiro, queria dizer que a Leonora não tem culpa de nada. Depois da minha consulta, fiquei insistindo, e fui tão chata com ela, que acabou concordando em dar o número do teu telefone para mim. Olha, ela disse que ia ligar para te avisar, mas eu não aguentei, e acabei ligando antes. Desculpa mesmo. Mas, por favor, deixa eu explicar: é que depois que te vi, confesso que não conseguia parar de pensar na nossa conversa, em ti, enfim, quase nem prestei atenção na consulta, até a hora em que ouvi a Leonora dizer que eu havia conhecido recentemente um homem que mudaria minha vida. Sei lá, fiquei desnorteada, perguntei se poderia ser você, e ela disse que não sabia. Bem, o fato é que senti que queria te conhecer melhor, queria te ver de novo e... ai, desculpa, não consigo parar de falar, não é?

Raul, ainda atônito, e sem saber o que dizer, limitou-se a balbuciar alguma coisa ininteligível, e ela continuou:

- Bem, não sou acostumada a fazer isso, mas eu queria saber se a gente podia sair para conversar um pouco. O que você acha?

Sem pensar direito, concordou com o convite, esquecendo-se completamente de sua Ana. E ela acrescentou:

- Que tal hoje? Pode ser hoje à noite?

- Hoje? Não sei, é complicado, eu...

E ficou mudo, sem saber o que dizer. Ela completou:

- Já entendi. Você é casado!?

Um silêncio constrangedor se fez presente durante a ligação, até que Raul decidiu responder, num tom lamurioso:

- Sim, eu sou!

- Então, desculpa. Não vou te incomodar.

- Não, espera! Acho que a gente precisa mesmo conversar. Tenho algumas coisas pra te dizer, e gostaria de ouvir outras de ti. Vamos fazer o seguinte, eu saio do meu trabalho no final do dia, e a gente combina de se encontrar em algum lugar. Só não vou poder te convidar pra jantar. Espero que você entenda.

Ela pensou um pouco, e acabou concordando. Marcaram em um bar longe de sua casa, e próximo da academia dela. Raul viu que Beto o observava, mas decidiu não falar nada para o amigo. Não queria ouvir as suas indagações irônicas, e, quando ele perguntou quem era, limitou-se a responder:

- Ninguém importante. Apenas um cliente.

Ao sair do trabalho, ficou excitado com a expectativa do encontro secreto, e decidiu comprar preservativos; sentia que deveria estar preparado pra tudo. E divertiu-se com seus pensamentos. Lembrava que não os usava há alguns anos, e sentiu-se envergonhado quando saiu da farmácia com o pacote nas mãos, abrindo-o, e colocando uma das camisinhas em sua carteira.

Quando chegou ao encontro e a viu, percebeu que ela ainda trajava a roupa de academia que o havia enlouquecido naquela manhã. Como era linda! Raul notou que era mais alta do que pensava, quase tanto quanto ele. Falaram sobre o que Leonora havia mencionado em cada uma das consultas, da coincidência de seu encontro, e do quanto se impressionaram um com o outro. O tempo passou, e quando, finalmente, ele resolveu ir embora, ela insistiu para que ficasse mais um pouco. Eram quase nove horas da noite, e lembrou ter dito à esposa que iria passar na casa de um amigo antes de voltar para casa. Decidiu ficar alguns minutos a mais, mas teve medo de encontrar algum conhecido, até que Ana sugeriu fossem para o carro dela, o qual possuía uma película escura nos vidros, impedindo que as pessoas que passassem pudessem vê-los lá dentro.

Pagaram a conta e dirigiram-se para o automóvel. Logo que as portas se fecharam os dois abraçaram-se e beijaram-se de uma forma passional, irresistível, um beijo longo, molhado e cheio de desejo. Ele sentia um cheiro doce de canela que vinha da boca daquela menina que mal conhecia, e lembrou-se que há muito tempo não sentia algo igual por sua Ana. Tentou desvencilhar-se dela, mas não conseguia. Em realidade, não queria. Precisava daquele beijo... precisava de mais. Desceu a mão direita até a altura da cintura da jovem, e sentiu a firmeza de sua barriga, a curva de sua cintura. Sabia que estava a um passo de ultrapassar o limite do que entendia ser possível controlar, quando, sem pensar, enfiou sua mão no meio das pernas de Ana, que, energicamente, parou de beijá-lo, e o repeliu. Quando olhou para ela, apesar da penumbra, pôde perceber a vermelhidão em seu rosto, a respiração ofegante, e o desejo que emanava dela.

Sem perceberem, já estavam novamente abraçados, beijando-se de uma forma explosiva, só que dessa vez foi ela quem tomou a iniciativa, e começou a alisar o corpo de Raul. Apertava os braços dele, sentindo seus músculos, e deslizando as mãos para as suas costas. Foi quando percebeu que ela autorizara qualquer investida dele. Olhou para fora, e não viu ninguém. Em poucos minutos estavam sem as roupas. Ela subiu sobre ele, que tentava se desvencilhar para procurar um preservativo naquela escuridão, tateando a sua volta à procura da carteira; no entanto, já sentia que a penetrava. Ela o agarrava com força, arranhava suas costas, e dizia que ele seria o homem de sua vida, que estava apaixonada, e, mesmo não o conhecendo direito, já o amava. E sussurrou: - "Ai Raul, eu quero ter um filho com você...".

Ao ouvir isso, ele a afastou, completamente apavorado. E pensou: “Que doente! Um filho?!”. O que estava fazendo? Não, não queria que fosse assim. E ela parecia cada vez mais descontrolada, voltando a escalar seu corpo, envolvendo-o com as pernas que o apertavam pelas costas naquele lugar minúsculo. Mal conseguia se mover. Então, não vendo outra alternativa senão afastá-la, empurrou-a violentamente, e gritou com ela:

- Pare!!! Você está louca!

No mesmo instante, ela o olhou com raiva, e sem que pudesse defender-se, sentiu um violento tapa no rosto. Decidiu não revidar, apenas segurar as mãos de Ana.

Em questão de segundos, olhou para fora do automóvel, e viu algo que o deixou apavorado.

CONTINUA...

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

AS CARTOMANTES (Parte Final)


- Pare!!! Você está louca!

No mesmo instante, ela o olhou com raiva, e sem que pudesse defender-se, ele sentiu um violento tapa no rosto. Decidiu não revidar, apenas segurar as mãos de Ana.

Em questão de segundos, olhou para fora do automóvel, e viu algo que o deixou apavorado.

Um carro da polícia vinha em direção ao veículo em que eles estavam, e lá dentro ele mal conseguia manter imóveis as mãos daquela mulher raivosa. Se os policiais os vissem pelados, um sobre o outro, certamente levariam os dois presos. E pior: o que dizer para a sua esposa?

A jovem remexia-se em cima dele, e mostrava-se muito indignada e ofendida, dizia que ia gritar, e ele prometeu largá-la, se ela mantivesse a calma. Com a cabeça, a moça assentiu, e, mesmo nua, fez menção de sair do carro. Raul a conteve a tempo, e os policiais passaram, sem perceber o que acontecia no interior do veículo. Após a viatura dobrar a esquina, vestiram-se, e ele pediu desculpas. Precisava sair dali, e assim que colocou os pés para fora, ainda a ouviu perguntar se ele procuraria por ela. Raul foi embora envergonhado consigo mesmo, e sequer se dignou a responder, limitando-se a olhar nos olhos de Ana, balançando a cabeça para o lado, e sentindo-se a pior pessoa do mundo.

Ao chegar em casa, mal conseguiu encarar a esposa. Tomou um banho, disse que não estava se sentindo bem, e foi deitar. Na manhã seguinte, quando estava chegando ao escritório, recebeu uma ligação de um número desconhecido. Ficou em dúvida se deveria atender, mas acabou aceitando a chamada. Reconheceu, de imediato, a interlocutora:

- Raul, sou eu. Desculpa te ligar tão cedo, e também queria me desculpar por ontem. Não sei o que me deu. Bem, sabe o que é, eu estava indo pra aula, e bati com o carro. Não conseguia pensar em mais ninguém. Você podia vir me ajudar, sei lá, ficar comigo, registrar a ocorrência, essas coisas? Eu estou aqui na rua...

Ele nem quis ouvir. Desligou o telefone imediatamente. Já tinha definido: ela era completamente louca! Mal o conhecia, sabia que ele era casado, e mesmo assim queria que ele resolvesse seus problemas pessoais? Maluca total!!!

As ligações continuaram, no trabalho, em casa, sem que ele as atendesse, até que cessaram depois de alguns dias. E os meses passaram...

Raul e Ana iniciaram uma terapia, mas a relação dos dois estava cada vez pior. Ela andava muito distante, parecia que o evitava. Não sabia dizer bem o que era, mas ele também havia perdido o interesse na mulher, achava tudo sem graça ao lado dela. Eram desconhecidos morando sob o mesmo teto.

Próximo ao final do ano, durante uma conversa trivial no trabalho, enquanto tomavam um café, Beto lembrou de um assunto que estava há dias para falar com o amigo. Disse que tinha a indicação de uma cartomante, amiga de sua mãe. Dona Missi, como era conhecida, era uma senhora que tinha um dom muito especial. Além de ler as cartas, ela pressentia coisas. Reconheceu que não acreditava em nada disso, mas que cedera à insistência da mãe e concordou em conhecê-la. Ficou de queixo caído com as previsões dela, dizendo que algumas até haviam se realizado.

Desta vez, Raul não se mostrou interessado, considerando o que havia acontecido meses atrás, mas, diante da empolgação do amigo, que sempre se mostrara tão cético, decidiu marcar uma hora, até porque o local era próximo ao seu trabalho, e ficou realmente curioso. Dois dias depois estava sentado em frente à vidente. Dona Missi não deveria ter mais do que 60 anos, muito magra, os cabelos desalinhados numa combinação de cores branco-amarelados, e a pele enrugadíssima, características que conferiam àquela senhora uma feição muito envelhecida e sombria. Fumava de um jeito incessante, praticamente acendendo um cigarro no outro. O ambiente fedia, pois além do odor do tabaco, o lugar abrigava alguns cachorros na sala ao lado. O calor e o mau cheiro do local traduziam uma sensação extremamente desagradável.

Entretanto, não tinha como negar que aquela cartomante apresentava todo o ar de mistério que não havia visto em Leonora, mas isso não foi motivo para deixá-lo satisfeito. Ao contrário, fazia com que se sentisse desconfortável. Durante o atendimento, ora ela olhava para as cartas, ora fixava-se num vazio, como se estivesse vendo alguém, e, de um jeito intrigante, emendava uma frase na outra. Mais de uma vez, Dona Missi mencionou uma mulher que convivia muito com ele. Dizia que ela fazia parte do seu cotidiano, e que era uma pessoa fútil e egoísta, e que, mesmo sendo casada, possuía um amante. "Um não, dois!", tratou de corrigir-se. E não parava de repetir isso.

Raul tentava não pensar em Ana, e, de repente, a vidente fez uma pausa. Passados alguns segundos, perguntou se sua relação andava bem, porque as cartas diziam o contrário. Raul apenas limitou-se a negar, e ela, de pronto, afirmou que o fim do relacionamento dele estava próximo.

O silêncio tomou conta do ambiente. Ela pediu para ele cortar o baralho mais uma vez, e já sentia o suor escorrendo pelo rosto. Estava começando a pensar que deveria pôr um fim naquilo. O ar que respirava, morno, já começava a deixá-lo tonto. Não via a hora de sair dali, parar de ouvir tantas informações que o entristeciam, e tentava, em vão, olhar nos olhos da senhora. Ela parecia estar em transe. E continou, dizendo:

- Meu jovem, as cartas não mentem. As pessoas, sim! Mas você é uma alma forte, e vai saber superar. Ainda mais porque vejo uma mulher se aproximando de sua vida. Ela fará toda a diferença. Ela é muito bonita, não é muito alta, morena, tem uma filha...

Foi quando ele interrompeu a consulta, e disse que precisava ir embora. Inventou que tinha uma reunião, e que havia esquecido. Ela o olhou fixamente, e pela primeira vez pôde perceber que os olhos eram claros, mas cada um possuía uma coloração diferente. Ela assentiu, informando o preço da consulta, e ele pagou. Antes de sair, ela o segurou pelo braço, e disse que se ele tivesse interesse, talvez pudesse ajudá-lo a encontrar essa tal mulher. Ele achou melhor concordar, e Dona Missi concluiu:

-Eu vou lhe enviar uma mensagem com um número de telefone.

Ao sair, sentiu um alívio imenso. Precisava ir embora, respirar o ar puro, e parar de sentir aquele cheiro que o deixava cada vez mais agoniado.

Ao chegar no trabalho, Beto estava num canto, calado. Ele perguntou o que tinha acontecido, até que o amigo se abriu com ele. Disse que estava tendo um caso com Nara, sua colega de escritório.

- Mas ela é casada? - replicou Raul.

- Pois é, e eu era o amante - disse ele, indignado. - Pelo menos eu pensava que era. Agora descobri que não sou o único. Sei que parece ridículo, mas eu achava que significava alguma coisa pra ela.

- Mas, como... - e lembrou-se do que a cartomante havia lhe dito minutos atrás, referindo-se a alguém que ele convivia, e que tinha vários amantes. Bobagem, pensou, mas não pôde negar que a ideia lhe trazia uma sensação de alívio, considerando que até já começava a ter uma leve desconfiança de Ana.

Conversaram mais um pouco e acalmou o amigo, que parecia desolado. O dia transcorreu normal, e, ao final do expediente, Raul recebeu, por celular, uma mensagem da cartomante, com um nome e um número de telefone. Ficou curioso, e resolveu ligar. Como quase todos os colegas já haviam ido embora, dirigiu-se até uma pequena sala, nos fundos do escritório, para ter mais privacidade. Ligou, aguardou um pouco, e alguém atendeu:

- Carol? - disse ele, adiantando-se.

- Sim? - respondeu ela, com uma voz delicada.

- Oi, meu nome é Raul. A Dona Missi me deu o teu número.

- Ah... oi... É, ela me falou de você - respondeu, parecendo indiferente.

- Pois é, na realidade, não sei bem por quê!

- Sei lá, acho que pra gente se conhecer.

Ele começou a ficar excitado com a ideia. Talvez conhecer outra mulher pudesse ajudá-lo a se sentir mais empolgado, feliz, vivo! E aquela conversa realmente o transtornava. E continuou:

- Sim, acho que é isso. A gente podia sair pra tomar um chopp, e se conhecer. O que você acha, Carol? Aliás, seu nome é lindo.

- Obrigada! Bem, eu topo. Mas olha só, já vou deixando claro que não sou mulher de uma noite só. Sou uma pessoa séria. Tenho uma filha para criar, e a pessoa com quem eu me relacionar tem que entender que minha filha é mais importante, precisa de um pai, e não só de um cara que está saindo com a mãe dela.

Desligou o telefone na hora. Não era isso que tinha em mente. E, afinal de contas, sua esposa não merecia isso. Sempre foi uma companheira muito leal e dedicada. Virou-se, e foi quando percebeu aquele vulto próximo à porta. Sua mulher, Ana, chorava, e pôde ver em seu rosto o olhar de decepção. Ela não disse nada, tirou a aliança, deixou sobre uma mesa, e pediu, aos prantos, que ele não voltasse para casa aquela noite. E finalizou:

- Acabou, Raul!

Ele tentou ir atrás, segurou-a pelos braços, ela gritava com ele. O amigo Beto interveio, segurou Raul, e ela foi embora, desesperada.

Depois de alguns instantes, Raul acalmou-se, olhou para o amigo e disse, num tom lamurioso, mas decidido:

- Beto, por favor, nunca mais me fale em cartomantes.

FIM

terça-feira, 15 de novembro de 2011

SONHOS INTERROMPIDOS

Ontem foi um dia muito triste para muita gente. Faleceu Israel, um cara que sequer cheguei a conhecer, mas que era parte importante da vida de pessoas que amo. Morreu assim, de repente, talvez sem dor, mas que deixou uma outra, de saudade, em todas as vidas que tocou. De um jeito estranho, acordei muito triste, porque ele era mais do que uma pessoa boa, como já ouvi repetidas vezes. Ele era o amor de uma mãe, que sonhava em vê-lo feliz, e que vi chorando, sem entender por que as coisas funcionam assim, tentando achar alguma explicação no olhar dos outros filhos, que não sabiam o que dizer, porque não havia o que ser dito. Amor de uma mulher que sonhava e fazia planos de casar daqui a pouco, quem sabe até ter filhos com ele. Não era pra ser! Não agora, quem sabe mais adiante. Morreu um amigo de muitos, que vi em fotos com um sorriso não só de amigo, amor de irmão.

Sabe, a vida é realmente muito curta. A gente olha pra ela com os olhos fechados, faz planos, sonha com o futuro, do jeito que a gente quer que seja. Abre os olhos, e segue adiante. Muitos, não saem do lugar, ainda não entenderam que a direção é pra frente. Dos que saem, normalmente utilizam esses sonhos como um rascunho do caminho, uma direção indicando para onde ir. Só isso! Porque o resto... bem, o resto é uma grande surpresa.

Não tenho muito a dizer numa hora em que a única coisa que se consegue fazer é chorar. Aí, é preciso o silêncio, a reflexão, a oração, que considero de extrema importância, para quem foi, e, talvez, até mais para quem fica. Não há o que explicar, não importam os porquês, não existe um remédio pra passar a dor da saudade, além do tempo. Não nesse momento. Mas tenho a certeza de que tudo acontece por um motivo, e quem somos nós para não acreditar em uma razão justa, em uma explicação de que aquele amigo veio para fazer tudo que fez, e ir embora quando a missão foi cumprida.

Sonhos interrompidos pela ausência física... sim! Mas é inegável que uma existência marcada pela saudade, que traduz um amor insubstituível naqueles que continuam aqui, só quer dizer uma coisa: ele fez tudo que deveria ter feito. E o fez muito bem!

Como disse, ontem foi um dia muito triste para muita gente. Hoje ainda é. Mas a vida continua, e tudo é muito rápido. Daqui a pouco, quando menos esperarmos, nos encontraremos, e quem sabe um dia eu também possa te conhecer e te chamar de irmão.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

MEU LUGAR OCULTO

"La Piel Que Habito", título original do novo filme de Pedro Almodóvar, é daquelas películas que impressionam não só pelo choque de surrealismo e alguns toques de humor negro, mas pela pecularidade de uma história original, e questionamentos dramáticos bem distantes do lugar comum.
Para quem não gosta do cineasta, e não pretende ver o filme, vou fazer uma pequena sinopse, para entenderem do que vou falar. Mas não se preocupem aqueles que vão assisti-lo, pois não contarei nada que possa comprometer qualquer expectativa, até porque, em minha humilde opinião, a obra de Pedro Almodóvar tem características tão individuais, que a surpresa, a sensualidade e, até mesmo, o choque são personagens a parte.
A história narra o cotidiano de um famoso cirurgião e cientista, interpretado por Antônio Banderas, que faz experiências para criar uma pele humana diferente, mais resistente e imune a queimaduras. Por questões éticas, os colegas de profissão posicionam-se contra as experiências em humanos, sem saberem que ele já obteve êxito na descoberta ao utilizar como cobaia, durante alguns anos, a linda Vera, que vive como prisioneira dentro da mansão do médico, sendo vigiada constantemente. Tudo vai se desenrolando sem muita empolgação, até que os motivos da prisão domiciliar, os traumas decorrentes pela morte da mulher e da filha do cientista, e todos os dramas vividos pelos personagens impulsionam o espectador para dentro da trama.
Poderia discutir inúmeras questões levantadas no filme, como por exemplo a falibilidade humana traduzida pela vingança, ou desdobramentos multifacetados da violência sexual, e a dualidade entre amor e ódio. Mas não vou fazer isso, até porque teria que contar o filme, o que, como disse, perderia toda a graça! A minha pretensão com esse texto é abordar, de forma sucinta, uma única questão que se mostra tão singela, e que quase passa despercebida.
A personagem Vera, interpretada pela linda atriz Elena Anaya, sofre um drama de identidade que a direciona para uma sexualidade que não lhe pertence, na medida em que, à toda evidência (e é preciso assistir ao filme para entender essa obviedade), não faz parte de sua essência. Todavia, o que causa estranheza é a calma com que lida com a situação, haja vista que nada justificaria a punição a que esteve sujeita durante anos, e que deixou "marcas" definitivas em seu corpo. Mas, considerando a conclusão a que chegarei, ninguém é responsável pelos atos dos outros. E, em certa parte do filme, ela está assistindo a um programa de televisão, em que uma praticante de Ioga destaca a importância de encontrarmos dentro de nós mesmos um lugar onde ninguém pode alcançar, intocável, e no qual podemos nos refugiar para mantermos nossa verdadeira essência. Acredito que nesse ponto é que reside a explicação para a aparente tranquilidade da personagem.
A Ioga é um método eficaz para isso. A simples meditação, de qualquer forma, e bem conduzida, também auxiliaria nesse contexto. O fato é que não há dúvidas da existência desse lugar, o qual, de uma forma abstrata, protege-nos de qualquer coisa, por vezes, até de nós mesmos. Tenho a certeza de que, para encontrá-lo, há um verdadeiro labirinto, do qual somos os únicos que conhecemos o caminho. É nesse lugar que repousa a paz de espírito, resultado da tolerância e humildade a que somos testados todos os dias.
No filme, até certa parte, convenci-me de que ela havia encontrado essa paz interior, essa liberdade de espírito, esse lugar no qual ninguém poderia alcançá-la, e onde estaria protegida de qualquer mal. Entretanto, ela o fez para sobreviver, na constante agonia que tinha de tirar a própria vida. E só isso! Não me parece tenha compreendido todo o contexto, apesar da dramaticidade da história.
Para mim, a lição de se ter essa paz interior remete a conclusão diversa: podem aprisionar nossa liberdade, afligir o nosso corpo, mas, quando repousamos à noite, temos que ter a consciência limpa para que possamos divagar com pensamentos leves e bons, que não nos persigam diariamente. Não é fácil, tenho consciência disso, mas tudo acontece por uma razão. Disso eu tenho certeza! Não é conformismo, até porque são nossos atos que remetem a isso. Mas fazer o bem, para si e para os outros, melhorar constantemente, enfim, buscar a razão de existir, e aprender com isso, são situações que deveriam acompanhar a vida de todos.
Dessa forma, qualquer ato que traia esse ideal, que macule nossa consciência, que não implique serenidade, acarretará uma tortura natural e constante, em nossos pensamentos e em nosso cotidiano, impondo a escravização do nosso espírito. E, lembre-se: ele só pode ser aprisionado por uma única pessoa... por você mesmo, independente do corpo que habite!

sábado, 8 de outubro de 2011

SEGREDOS DO CORAÇÃO

Quando a gente ama muito alguém, não enxerga a situação por inteiro, não observa todos os detalhes, aquelas perspectivas ocultas de uma relação que parece ser única, para toda uma vida! Fazemos planos, inventamos um olhar, que apenas nós entendemos, escolhemos nomes, acreditamos em nossos sonhos, como se eles estivessem ali, bem ao alcance das mãos. E tudo parece inacreditavelmente perfeito, pronto para acontecer. Mas, às vezes, não acontece!
Podemos dizer que nesse momento surge uma pergunta que parece não querer sair da cabeça: Por quê? Porque algo que era tão lindo, forte, e, praticamente, certo, apenas acaba, e não diz aonde foi! A resposta é simples: ainda não estávamos preparados. Por isso, a vida se encarrega de separar o que já teve o seu tempo, sem dar explicação nem nada. Apenas isso, um pra cá e o outro pra lá. Parece o fim de uma brincadeira infantil, em que o melhor de tudo era sorrir ao lado dele (ou dela). Era como encontrar o seu amor escondido em algum canto de si mesmo, e emprestar-lhe uma força que até você desconhecia que tinha. E terminar dizendo: te encontrei! É emprestar os seus brinquedos (amigos, família, lembranças) sem sentir-se egoísta, porque você quer tanto que aquela pessoa esteja ao seu lado, que lhe conheça por inteiro. E tanto faz se quebrar, ou deixar pra devolver outro dia, contanto que esteja sempre por perto para brincar.
Tomar a decisão de pôr um ponto final numa relação com alguém que você ainda ama, posso afirmar, está no topo da minha lista das piores coisas da vida. Só perde para um grave problema de saúde. E digo isso porque a dor que fica é algo inexplicável, é um vazio que surge como o silêncio, que insiste em te incomodar sem dizer nada. Você liga a televisão, pega o telefone, procura um amigo, você resolve colocar em dia aquela leitura atrasada. Desiste! Não há o que possa te ajudar na hora em que aquela tristeza aparece, de repente, sem pedir licença, sem te explicar nada.
E aí só resta deixar o tempo passar, acreditar que tudo que aconteceu tem um motivo, que não era pra ser, que a vida sabe o que faz, que vocês não foram feitos um para o outro; desculpas você encontra, o difícil é acreditar nelas, por mais que se comece a perceber as pequenas diferenças que incomodavam tanto ontem, hoje você até sente falta delas.
O difícil é perceber que o amor não basta. E o engraçado é isso, justamente o que se considera mais importante, não é o que garante o sucesso de uma relação. Como eu gostaria de dizer que existe uma fórmula secreta para isso, os meus problemas estariam resolvidos. Os seus também! Mas não há. Conforme-se!!! O fato é que cada um tem a sua receita. E com base nela é que vamos acrescentando os ingredientes para dar mais sabor à vida, elementos tão particulares e, por vezes, complexos, que somente o destino poderá explicar o que há por trás desse mistério.
E se existe um plano para esses encontros e desencontros, tenha sempre em mente o seguinte: respeite quem você ama, acima de tudo, e tenha a paciência necessária para que a vida se encarregue de te ensinar o que é preciso! Aproveite cada minuto ao lado de quem você ama, para que não haja arrependimentos e lamentações.
A você, que me ensinou tanto, e que sempre me fez tão bem, saiba que sou uma pessoa melhor e mais feliz por ter tido a oportunidade de brincar ao teu lado. Obrigado!

PS. E um Feliz Dia das Crianças para todos nós, para que nunca deixemos de acreditar em nossos sonhos...